Sobre

nota do editor

"Os 32 textos apresentam em comum o fato de terem sido encontrados em uma pasta, descoberta por Diógenes Maciel, ex-jogador de futebol do Iraty Sport Club e estudante de Teorias Comparadas de Rigor Razoável & Instrumental em Gêneros Criados por Vias Cirúrgicas (TCORRIGE - VC). O aluno em questão informou ter recebido o material de um namorado de longa data, um agente policial que não gostaria de ver aquele conjunto tão exótico ficar esquecido, soterrado sob produções de menor valor literário."



embora eu seja gabriel entre os pássaros,
minha sorte não deve ser invejada
pois tendo contraído amizade com a serpente no paraíso terrestre
dali fui ignominiosamente expulso

Attar


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Resenha de Guilherme Gontijo Flores

doutor em Letras Clássicas pela USP

doidos, drogados, tarados, fetichistas, assassinato, curitiba. poderia ser um resumo, ou imitação de dalton trevisan, vampirismo literário, quem sabe? acho é que lucas haas cordeiro matizou, neste seu pavão, uma trama furta-cor, atravessada por diversas personagens alucinadas (de luz e de loucura), numa linguagem também furta-cor,

uma espécie de cromatismo psicodélico do frio,

uma arquitetura em que o nosso horror de cada dia nos dá bom dia e boa tarde e boa noite, revela-se-nos humano, e pra isso ele partiu de uma tradição nossa que passa por dalton trevisan, rubem fonseca, mas também por romancistas como thomas pynchon e david foster wallace, para travar um diálogo sério. não se trata do simples gozo com a perversão alheia, embora a todo instante ela nos remexa, nem de virtuosismo da linguagem exuberante dessa cauda, mas de uma experiência complexa de códigos e vivências, poética da prosa no seu chão mais duro. lucas topa correr o seu quinhão de risco — risco não era poesia? — para escrever nesse limite difícil em que as dicotomias se borram.

(prosa X poesia, sanidade X loucura)

o que aqui brota demanda muito, por vezes hesitamos no que estamos lendo, no que pode estar acontecendo ao redor. não é fácil escrever assim. alguém, na pressa, poderia até pensar “tudo o que fica é repetição. nada enquanto narrativa, realmente.” não será fácil pro leitor desavisado. atente. uma pena pode estar na tua mão.


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Resenha de Daniel Lacerda

doutor em Estudos Literários pela UFPR

O que este Pavão de Seis Cores, segunda prosa de Lucas Haas Cardoso, tem, sim, em comum com a primeira, eis Vozes para a Fuga (2015): a fragmentação narrativa – formantes breves, rompendo com a linearidade do enredo, intitulados com os nomes das personagens ;a marginalidade destas suas personagens – bêbados, drogados, maníacos compulsivos,etc.; o cenário de sua Curitiba natal.

O que, não, o Pavão não guarda de semelhança com o primeiro Lucas Haas Cordeiro prosador: a parataxe dominante no fluir narrativo. Lá, talvez, mais os fatos em si (the tale);

cá, quiçá, o fluir sígnico em si (the telling):

os períodos curtos, rompendo, na própria sentença, com a linearidade verbo-sujeito- predicado da sintaxe, soando esta mais afim à poesia do que à prosa – afinal, de poeta se trata: vide o seu Sussurro e Codeína (2007) coletânea de poemas- drops de uma dicção afim à poesia marginal dos anos 70 de um Paulo Leminski, ou de uma Ana Cristina César.

O que pode a prosa pós proust-joyciana? O que pode, no diluído bazar-de-tudo da pós-modernidade, um novo romance? A essencialmente semiótica ficção paratática de Lucas é uma ousada resposta a esta pergunta.




your theme as I saw it is this:
that for one's art for one's dreams
one may consort and bargain
with the darkerst powr's

Neil Gaiman